Anos difíceis
O primeiro ano da graduação pode ser um choque para muitas pessoas. No meu caso, tive que redescobrir como estudar, entendi rapidamente que não sabia como fazê-lo. Pior que isso, mal sabia o que era matemática. Isso mesmo, matemática! Como estaria cursando Estatística e nem mesmo entendia as propriedades básicas de potência e logaritmo?
Não deu outra, antes mesmo do primeiro ano acabar desisti da faculdade. Simplesmente não apareci mais nas aulas e provas, sumi! Foram alguns meses sem norte algum. Meus dias eram tomados por vídeo games, MSN e Orkut.
Mas em janeiro de 2011 tomei a decisão de voltar com ânimo para a faculdade. Haveria de entender Cálculo, Probabilidade e Geometria Analítica! Seria só estudar, ueh! Como poderia ser diferente disso?
“Mas a vida é uma caixinha de surpresas”, e logo nas primeiras semanas de aula, fui convocado pelo serviço militar obrigatório. É, fui selecionado para ficar um ano como atirador no Tiro de Guerra (TG) 02-063 de Presidente Prudente. No início achei que conseguiria passar por isso ainda na faculdade. Mas com o tempo, comecei a acreditar que o caminho da carreira militar seria uma boa.
A ideia parecia ser tão sensacional que tomado por ímpeto, tranquei meu curso da UNESP e convenci meu pai a me matricular em um cursinho de vestibular. Estava convicto que seria militar! Só precisaria estudar muito para passar nas provas no final do ano, nada muito diferente do propósito que tinha definido para a Estatística. Certo?
Para quem já fez cursinho deve concordar comigo, é um porre estar ali! Revendo coisas que já foram apresentadas durante o ensino médio, uma sopa de letrinhas para decoreba e um bocado de conteúdo que a gente nunca mais vai fazer questão de usar na vida. Tudo isso para poder passar em uma prova no final do ano. Foi ai que mais nada fazia sentido para mim e mais uma vez abandonei os estudos.
Ou seja, tranquei um curso de Estatística na UNESP, gastei uma baita grana do meu pai com material e quebra de contrato do cursinho. Mesmo assim eu não sabia mais o que eu queria da vida. Foi neste ponto que meu pai disse: “Cara, você não vai ficar só no Tiro de Guerra não. Trate de achar um emprego!”
Estava nas primeiras semanas de relacionamento com a Nah, que trabalhava em uma vídeo locadora. Fui indicado por ela para ficar no seu lugar, conseguindo assim um trabalho! Meu primeiro trabalho com carteira assinada! Achei o máximo! Trabalhar com filmes? Poxa, eu amo filmes! Adoraria ficar dando sugestões de filmes para as pessoas o dia todo.
Porém o trabalho ia muito além disso. Como cliente, eu nunca tinha reparado nas outras atribuições que o pessoal tem “atrás do balcão”, como: faxinar as gôndolas dos filmes, faxinar o chão na abertura e fechamento da loja, operar e fechar o caixa, alteração física e sistêmica dos selos nos filmes, vender “planos fidelidade”, trocar posters dos filmes em destaque, ligar para lista de clientes convidando-os para a loja e por ai vai.
Isso tudo por um salário de R$2,55/hora, trabalhando 6 horas por dia, com 15 minutos de janta e sem escala de folga bem definida. Se fizer as contas, são aproximadamente R$15,00 por dia, em que boa parte era usada para jantar. Foi um tempo bem complicado, dormia durante o dia, trabalhava a noite e participava do TG com os horários fixos e guardas constantes. Pós tudo isso, posso dizer que este ano me marcou por vários motivos, mas gostaria de elencar dois principais:
Companheirismo
Tanto no TG quanto no trabalho as pessoas eram unidas (no caso do TG, mais imposição do que por opção). Ao fechar a loja, se desse algum problema no fechamento do caixa, todos procuravam aonde estariam as diferenças, mesmo que não tivessem operado naquele turno. E só íamos embora depois de encontrar a maldita diferença, todos juntos. Claro que um ou outro não se importava, indo embora para seu rolê (“Quem fez merda que arrume”). A consequência era a rejeição pelo grupo, isso simplesmente não funciona ainda no curto prazo.
Precisamos de um norte, mas também de tempo para encontrá-lo
Fiquei quase dois anos igual barata tonta sem saber bem o que fazer e como agir diante dos desafios que surgiam. Esses dois anos foram necessários para consertar minha bússola da vida. Tal bússola me ajudou a ter mais foco e ser perseverante nas iniciativas que me envolvo. Só assim ganhei a maturidade de retornar à faculdade e começá-la do zero! Um reinício que seria totalmente diferente dos anos anteriores. Mergulhei nos estudos de cálculo e probabilidade com todas as forças, abrindo portas para várias coisas bacanas.
Hoje, lembrando de toda essa bagunça que fez parte da minha vida, entendo melhor o que se passa “atrás do balcão”, quão comum somos cobrados à fazer coisas a mais, coisas que nem entendemos direito a razão de existir. Aprendi, no mínimo, a respeitar mais esses trabalhadores de serviço que sustentam nossa sociedade.
À minha maneira, fico feliz ao ajudar quem precisa de alguma orientação para adentrar nos estudos ou perseguir uma carreira. Tive chance de fazer uma faculdade pública, desperdiçando dois anos que outra pessoa poderia estar ali aproveitando melhor que eu. Dia a dia busco reparar estes erros e de certa forma compensar o tempo perdido. Gostaria de continuar fazendo isso por mais dias e com mais intensidade e impacto. Contem comigo.