Mais uma vez retorno ao meu refúgio. Mais uma vez procuro a solidão em meus fones de ouvido para não escutar meus próprios pensamentos. Fecho-me em meu próprio mundo, pois só assim sou capaz de não sentir o que está por vir.

No momento que escrevo este texto minha avó Cândia está em seu leito de morte, aos 85 anos. É difícil dizer o que está passando na minha cabeça agora.

Mas se eu pudesse resumir em um palavra, seria saudade. Saudade das tardes que eu subia no pé de Ipê em seu quintal e pulando de galho em galho fugia da mesa de estudos. Mesmo assim ela não desistia! Arrastando as apostilas para debaixo da árvore continuava sua leitura em voz alta, na vã esperança que eu pudesse absorvesse algum conteúdo.

Até hoje ao realizar minhas anotações durante reuniões, sou capaz de ouvi-la: “Segura essa caneta do jeito certo” ou ainda “o acento agudo é igual a chuva, de cima para baixo!”. Uma baita mulher perseverante que não desistiu de me ensinar, ainda que necessário um esforço hercúleo. Nesta época cansei de ser provocado por minhas tias alegando que eu a mataria, afirmavam que eu deveria parar de ir à casa dela. Mas nossa ligação sempre foi muito forte, maior do que qualquer ciúmes, intriga ou opinião.

Sua participação em minha vida foi bem maior do que apenas os estudos. Tivemos momentos de gargalhadas sem fim. Como em São Paulo na Av. Paulista, eu deveria ter entre 8 e 10 anos e estava estasiado com a altura dos prédios à minha volta. Quando de repente esbarrei na barriga de um homem, possivelmente apressado para voltar do almoço e chegar a tempo da próxima reunião. Ao olhar para trás, totalmente envergonhado por não ter visto o homem, percebo minha avó em lágrimas de tanto rir, foi necessário dar uma pausa na caminhada para que ela pudesse recuperar fôlego e se recompor. Hilário!

Boas memórias de estar em sua casa assistindo FoxKids ao lado de um pacote de bala Chita. “Criança precisa de energia, e energia é açúcar! Pega bala!”. Bala atrás de bala, ia-se um pacote inteiro. E caso acabasse, só era necessário ir até a Cedral, uma loja de doces com a maior diversidade de “porcarias” que uma criança poderia comer. Nesta época me reunia com o Fernando (Batman) e outros meninos da vizinhança para andar de bike, skate, patinete, patins, até rolimã. Depois de tanto brincar e esfolar os pés pelas calçadas, tínhamos um banquete na mesa de café da Dona Cândia. Todos que já foram até lá sabem que é impossível se despedir sem comer algo naquela mesa de madeira vazada com uma enorme pedra de mármore.

Sempre muito receptiva e com tudo em ordem para receber os convidados em sua casa. Nada poderia dar errado! Por falar em ordem, acredito que seja sua palavra preferida. Ai de quem a desobedecesse ou fizesse o contrário do que ela pedisse. Talvez a mulher mais assertiva (no sentido correto da palavra) que já conheci. Ainda assim tinha grande generosidade com todos, fazendo questão de dar uma quentinha para os pedintes que batiam em sua porta, mesmo no horário de almoço. No mesmo instante interrompia sua própria alimentação para servir uma marmita à quem estava em seu portão.

Mesmo ouvindo diversos CEOs e diretores em seus discursos semestrais e apresentação de resultados, nenhuma oratória se compara à desta mulher. Suas orações nos almoços e discursos em épocas festivas faziam todos se emocionarem. Que fala! Baita inspiração para me aprimorar tanto na escrita quanto na fala, não sendo segredo que diversos textos deste blog e TCC passaram por suas correções. Infelizmente este não terá o mesmo critério, então me desculpe.

Não vou dizer que não brigávamos ou que não tínhamos nossas diferenças, pelo contrário. Nossas cabeças sempre foram muito diferentes, não só pela idade, é claro, mas também pelas convicções e cobiças pessoais. Prova disso é nosso último encontro, fazendo questão de comentar a respeito de meu cabelo, barba, alargador e tatuagens. Será que se soubéssemos que era último algo teria saído diferente? Não me arrisco a dizer.

Disso tudo vou levar a frase que a senhora sempre me disse: “Você tem o coração bom, Téo. Continue assim.”

Bom, Vó, em algumas de nossas discussões eu lhe prometi que a senhora ainda me veria formado, casado, num bom emprego e com filhos. Consegui cumprir a maioria dessas promessas, e por poucos meses a senhora não vai conhecer seu primeiro bisneto ou bisneta. Faço uma nova promessa então, vou contar mais histórias que tive com a senhora para que minhas crianças possam conhecer mais a seu respeito. Tenho certeza que darei muitas gargalhadas com eles em sua memória.

Que você possa descansar em paz depois de sua longa e bela jornada.

De seu neto, Téo.