Com amor e com medo
Este texto deveria ser escrito há muito tempo. Por bem ou pelo mal, só depois de quase um ano consegui organizar as ideias para torná-lo vivo. Devo dizer que os acontecimentos deste ano contribuíram com a história, tornando-a mais longa, bem como trazendo alegrias e tristezas, afinal, é a vida.
No dia 03/01/2021 enquanto eu, Nah e Kira estávamos na estrada, rumo à nossa casa em São Paulo capital, a playlist do Spotify começou a tocar “Ouro de Tolo” de Raul Seixas. Logo eu, que no Orkut participava da comunidade “Minha vida tem trilha sonora”. Pois bem, durante uma das estrofes, me veio uma sensação de tristeza, como se Raul estivesse interpretando meu momento profissional.
“Eu devia estar contente Por ter conseguido tudo o que eu quis Mas confesso abestalhado Que eu estou decepcionado”
Explico. Eu estava vivendo um momento profissional (em perspectiva de carreira) excelente. Trabalhava na maior varejista do Brasil. Depois de um ano como consultor em Data Science, liderando tecnicamente uma equipe focada em modelagem para CRM e SAC, recebi uma promoção para ser Coordenador em uma área menos técnica, mais estratégica. Ou seja, eu realmente não tinha porque estar triste ou desanimado.
Mas de alguma maneira sentia que algo estava errado, parecia não fazer sentido eu estar ali. Já se sentiu assim? Talvez por estar em uma empresa tão grande, tendo que realizar uma infinidade de alinhamentos (e realinhamentos), sentia dificuldade em gerar o real impacto que eu gostaria. Ou talvez fosse um possível esgotamento, não só pelo trabalho, mas todo o cenário pandêmico. Podendo ainda ser o momento de reflexão e projeções para o ano seguinte.
Não sei! Apenas sentia que algo estava bem errado. Então me virei para a Nah, ainda com a música tocando, disse:
“Ah, mas que sujeito chato sou eu Que não acha nada engraçado Macaco, praia, carro, jornal, tobogã Eu acho tudo isso um saco”
Neste momento abaixei um pouco o volume e completei: “Acho que devemos voltar para Prudente, vamos largar São Paulo, assim posso dar tempo do mercado de trabalho, o que acha? Afinal não quero me sentar no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar”.
Com os olhos fixos na estrada, ela me respondeu:
“Se formos fazer isso, tem que ser agora. Você está bem cansado, as férias que tiramos há alguns meses não teve todo efeito que imaginamos. Sempre que caminhamos com a Kira você está falando do trabalho, seu sono tem piorado e você fica muito tempo na frente do computador. Será bom para nós. Com o dinheirinho que temos, podemos ficar alguns meses de boa. Quem sabe depois você consegue algo remoto?”
Agradeço à Deus pela companheira que tenho ao meu lado. Me trouxe mais convicção sobre a decisão que eu deveria tomar. Durante o resto da estrada fomos conversando sobre o plano e como o executaríamos.
Resolvi aguardar alguns dias antes de notificar minha liderança, só para ter mais certeza a respeito do meu período sabático. Mas logo com a intensidade dos primeiros dias do ano no trabalho, tirei todas minhas dúvidas. Eis que em uma reunião de 1:1 no dia 05/01/2021, minha gestora diz que gostaria de brigar por um mérito para mim, devido às minhas entregas dos últimos meses. Não pude agir de forma diferente daquilo que conheço a respeito de transparência, sinalizando que gostaria de me desligar. Seria injusto da minha parte deixá-la se expor nesta situação, dado minha certeza em sair de lá. Para mim, é disso que se trata relacionamentos, transparência em primeiro lugar.
Finalmente no dia 12/02/2021 finalizamos a mudança e estávamos em casa. Os próximos dias foram basicamente arrumações em casa, jogar Dota Underlords, Final Fantasy e claro, Counter Strike. Foi assim até que um dia uma amiga me liga.
— Téo, conheci uma empresa que é a sua cara! Você iria curtir MUITO trabalhar lá! Eles estão precisando de alguém com o seu perfil. Se chama Gamers Club!
— Poxa! Essa empresa realmente parece animal e eu conheço um pouco sobre ela. Seria do caralho trabalhar com games, dados e em uma posição de liderança! Ainda mais sendo startup. Mas, meu, eles estão procurando um Head! Eu não sou Head!
— Claro que é! Pare de se sabotar! Você tem competência técnica para fazer acontecer e o mais importante: você gosta de gente! Tem um fit perfeito para você! Vou te indicar lá e você já se candidata também!
Isso foi no dia 22/02, tive que tomar uma dose de coragem para me candidatar no dia seguinte. Assim, no dia 23/02 me inscrevo no processo seletivo, dando aquele tapa no currículo e LinkedIn. Foi um dia cheio de expectativas, ainda mais quando algumas horas depois o VP de Produto veio falar comigo, informando que o pessoal de People iria me procurar. Nota-se que o plano de ficar um tempo fora do mercado estava se desfazendo.
No dia 24/02 a Nah durante o café da manhã me diz: “Seria bom a gente comprar um teste de gravidez”. Ainda meio estasiado com a informação, lembro de ter saído da farmácia e com o carro ainda estacionado, olhei para frente e disse em voz alta para mim mesmo: “Você tá ligado que tudo vai mudar a partir de agora, né?!”. Chegando em casa entreguei o teste para a Nah e foi só esperar: “Positivo!”
Pensa em uma mistura de emoções! Alegria pela gravidez, preocupação por estar desempregado. O mais louco de tudo, é que a contagem de semanas gestacionais daria na última semana do ano. Ou seja, todas as decisões que tomamos durante aquela volta à São Paulo seriam diferentes, apenas com essa informação. Me senti bem irresponsável naquele momento.
Por fim, achamos melhor guardar esta informação conosco até as coisas estarem um pouco mais certas, tanto em relação à gravidez, quanto minha situação no mercado de trabalho. Afinal, com os pais desempregados e sem plano de saúde, a notícia de uma gravidez no mínimo deixaria os futuros vovós preocupados.
Assim fizemos! Participei do processo seletivo na esperança de realmente conseguir aquela posição. Me preparei para as entrevistas e dei o meu melhor na preparação do case. Até que no dia 10/03, fomos ao laboratório de exames, onde teríamos de fato a confirmação da gravidez. Com o exame ainda aberto em cima da mesa recebo a seguinte mensagem:
— Fala Téo, tudo bem? Murilo da Gamers Club. Tem um tempinho agora pela manhã?
Já pensei: “beleza, agora é 100% de certeza que vou ser pai e não passei no processo seletivo. Afinal já faz 5 dias que apresentei o case, acho que não curtiram. Querem me ligar só para avisar que é isso mesmo e GG”. Será que sou ansioso?
Respondi: “Tenho sim! Pode me ligar.”
— Bom Téo, queria te dar um notícia boa! Você passou no processo seletivo da GC e queremos que você comece conosco no dia 22/03
Imagine acabar de ter a confirmação de que seria pai e poucos minutos depois ser aprovado em um processo seletivo! Eu não estava me aguentando de felicidade.
— Fico muito feliz com a notícia, Murilo! A proposta é muito legal e vou conversar certinho com minha esposa. A propósito, acabei de ficar sabendo que vou ser pai, isso pode ser algum impeditivo para vocês? - de novo o lance da transparência que faz parte de mim.
— Parabéns!! Que legal! Não é impeditivo algum! É mais você se organizar e tals.
Lembro que fiquei bem surpreso com a energia transmitida nessa conversa, até cheguei a comentar com a Nah: “Sabe qual foi a primeira palavra que ele disse depois que contei da gravidez? Parabéns!!”.
— Ah, anjo! Eu acho que Deus está cuidando da gente de um jeito muito especial. Essa empresa parece ser muito legal!
Pois é, meu futuro chefe foi o primeiro a saber que eu seria pai. A seguir tínhamos duas novidades para nossa família, eu estaria de volta ao mercado e um novo membro da família estava a caminho. Que começo de ano heim?! É impressionante o que o anúncio de uma criança vindo ao mundo provoca nas pessoas, é uma alegria muito distinta e cada um reage de uma forma diferente. Eu e Nah nos divertimos muito contando a boa nova aos nossos pais, avós e amigos.
Fui super bem recebi por todo o time, tanto de dados e produto quanto outras áreas da GC. O sentimento era de pertencer à aquele lugar há tempos. As gírias, memes, forma de conversar e claro, nicks. Até hoje só conheço algumas pessoas pelo nick. E assim começamos os trabalhos, identificando melhorias de processos, contratações e planos para área.
A partir daí entramos na rotina de trabalho, até que no dia 10/05 minha avó Candia faleceu. Uma grande perda para mim e minha família. Enquanto criança e adolescente, passei incontáveis tardes em seu quintal, em cima de seu pé de Ipê. Alguns moleques vizinhos dessa época são amigos fiéis que carrego até hoje. Para entender um pouco mais essa relação, escrevi um texto em sua memória aqui. A parte mais dolorosa deste dia era ter que ligar para os amigos e familiares avisando de sua morte, muito duro dar esta notícia.
Agora, imagine a decisão de voltar à Prudente, no começo deste texto. Eu não teria condições de ter ficado mais próximo a ela nesses meses que antecederam sua morte, bem como me despedir em seu velório ou carregar seu caixão e dar apoio ao meu avô. Tem coisas que não temos como explicar. E este texto já está ficando maior do que eu imaginava. Acredito que terei que dividi-lo em duas partes. Se chegou até aqui, prometo que retorno com a segunda parte deste ano locou que vivi.