“Você tem algum conselho para me dar? Como você faz para conciliar seu posicionamento político e ainda estar na área de dados?”

Recebi essa mensagem em um dos meus stories do Instagram essa semana. No stories eu estava com um boné do MST. A resposta não é simples, fácil e tão pouco romântica, mas vamos lá, vou tentar responder durante este texto. Novamente, preciso dar certo contexto.

Meu primeiro emprego com carteira assinada foi em uma vídeo locadora de DVDs e Blue-Ray. Antes, eu era um cliente que semanalmente estava lá para consumir mais e mais filmes. Quem fazia o atendimento e as recomendações para um adolescente de 15~16 anos era a Lu, uma mulher preta com um lindo black power. Graças a ela conheci títulos como:

  • Pulp Fiction (seu preferido);
  • Trainspotting;
  • Fight Club;
  • Laranja Mecânica;
  • Blow;
  • O Fabuloso Destino de Amélie Poulain;
  • Seven;
  • O profissional;
  • Perfume de Mulher;
  • Nascido para Matar;

Apenas para citar alguns.

Mas quando me tornei funcionário, recebi diversas instruções de como me comportar e me vestir. Achei estranho, me senti engessado. Com a Lu, alguns anos antes parecia ser algo tão descontraído, onde as pessoas podiam se elas mesmas. Perguntei: “Mas a Lu tinha black-power, usava calça com barra desfiada, all-star, por que eu tenho que usar isso aqui e ser desse jeito?”

  • Ah, ela é campeã de vendas, né?! Ela pode!

Ganhei uma lição. Na sociedade que vivemos, ser você mesmo não é um direito, é algo que você precisa conquistar. E pior, conquistar, jogando o jogo do patrão. Vamos voltar nisso mais tarde.

A minha aproximação em relação a pautas mais progressistas, à esquerda, se deu por conta do material hacktivista que comecei a consumir em meados de 2013. O primeiro foi “We are Legion (2012)”, um documentário sobre a história do Anonymous e movimento hacker impactando milhares de pessoas ao redor do mundo. Seguido a isso vieram:

Citizenfour

We Steal Secrets

Risk

The Internet’s Own Boy

Cypherpunks: Liberdade e o Futuro da Internet.

Com base nisso, deve dar para imaginar mais ou menos como construí meus vieses pós-adolescência.

Meu início de carreira se deu em Nov/2016, mas foi em Abr/2017 é que houve realmente uma virada de chave. Não apenas, mas primordialmente nos meus primeiros anos no mercado de tecnologia, tive excelentes líderes. Ao trabalhar com consultoria, ficava bem claro meu desânimo com a falta de alinhamento entre meus valores e o tipo de atividade que eu executava. Isso era tão claro, que meu gestor me puxou para uma conversa dizendo:

“Téo, seus heróis não se rebelaram logo no início da carreira. Para combater o sistema, primeiro eles tiveram que crescer dentro dele, tendo influência e sendo referências para outras pessoas. Só a partir disso que enfrentaram isso tudo que conhecemos para mudar o mundo.”

Isso ficou gravado na minha cabeça e me fez querer ser um profissional cada dia melhor, absorvendo o máximo que eu conseguiria daquele mundo. Principalmente na parte técnica e liderança, o que me fez crescer rapidamente em cargos e salários no mundo corporativo. Com isso, me tornei uma referência na área de dados.

Não importava mais se meu cabelo era grande, com ou sem barba, como me vestia ou até mesmo o jeito de falar: “O Téo resolve, ele dá resultado. É isso que importa.”

Ao longo deste caminho, sem me posicionar explicitamente a respeito daquilo que acredito, me esbarrei com pessoas que seguem os mesmo valores. Amizades que cativo até hoje, foram forjadas durante reuniões de negócios dentro dessas corporações. Dada a minha postura, bem como a dessas pessoas, nos identificamos, mesmo sem colocar explicitamente uma pauta progressista na mesa, porque nossos valores se conversavam. Por trás de cada decisão, maneira de falar e se importar, traziam nossos valores a tona, criando uma conexão.

Talvez, seja surpresa para muitas pessoas que eu, seja cristão. Justamente por não pregar o evangelho por onde passo, mas sim, busco viver o evangelho. É nesta mesma linha que me vejo em relação ao posicionamento político. Eu busco viver, praticar, ser exemplo.

Mas, porque se posicionar hoje, Téo? Para que, assim como a pessoa que me fez a pergunta inicial, outras pessoas possam se inspirar e seguirem o mesmo caminho. Da mesma maneira que conheci meus heróis que se posicionaram. E vamos assim, formiguinha por formiguinha, melhorando o mundo.

Esta é apenas uma parte do caminho. A outra é um pouco mais difícil, embora mais simples de se explicar.

Dinheiro! Para finalmente se rebelar, sem temer as consequências, é importante se tornar independe financeiramente. Após anos fazendo economias e apertando os cintos, hoje tenho uma reserva que me permite viver uma vida simples durante alguns anos. Isso traz certo conforto e remove o medo de algumas decisões.

Além disso, tenho outros planos que ajudam nesta questão, como dar aulas em escola de dados, lives e apoio da comunidade, consultorias pontuais. Perceba que esses planos secundários, são fruto do que foi construído ao longo da jornada corporativa, jogando o jogo do patrão.

Para finalizar, não estamos falando de um projeto a curto prazo. É algo que exige tempo, paciência e passar por situações complicadas. Tudo isso ajudará no seu desenvolvimento e melhor compreensão das coisas que rondam o mundo dos negócios. Só não vale deixar essa chama se apagar.

Lembre-se, é muito mais fácil acabarem com você enquanto pessoa pequena, frágil e desconhecida. E se isso acontecer, quem vai te conhecer? Cresça, se fortaleça e se cerque de pessoas, para então se rebelar e melhorar o mundo, até a vitória.